04 abril 2008

BOM SENSO NUNCA É DEMAIS

computadores prejudicam os alunos?

Pesquisa da Unicamp indica que o uso de computadores nas tarefas escolares prejudica o rendimento dos estudantes e recebe críticas
de pesquisadores

Jaciara de Sá Carvalho*

Trabalho publicado na revista "Educação e Sociedade", coordenado por Jacques Wainer, do Instituto de Computação, e por Tom Dwyer, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem provocado polêmica entre aqueles que estudam e acompanham o uso de computadores na Educação. A partir de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2004, a pesquisa conclui que "o uso de computadores para fazer tarefas escolares está relacionado ao pior desempenho dos alunos – principalmente entre os mais pobres". O artigo sobre a pesquisa, assinado pelos realizadores da investigação, está disponível on-line na biblioteca Scielo e apresenta o seguinte resumo:

"As políticas públicas de Educação têm dado bastante ênfase, ao longo dos últimos anos, à necessidade de informatizar as escolas e modificar práticas de ensino devido ao advento da sociedade de informação. Este artigo usa as pesquisas do Saeb para verificar o desempenho de alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio e a relação deste desempenho com o uso de computador. Os resultados demonstram que para os alunos de todas as séries e para todas as classes sociais o uso intenso do computador diminui o desempenho escolar. Para alunos da 4ª série, das classes sociais mais pobres, mesmo o uso moderado do computador piora o desempenho nos exames de Português e Matemática. Esses resultados indicam claramente que é preciso repensar o papel do computador no ensino, sobretudo para os alunos mais pobres, para quem o uso do computador está surpreendentemente associado a uma piora nas suas notas."

Em entrevista à Agência Fapesp, o coordenador da pesquisa, Jacques Wainer, afirmou que “Idéias como a de dar um laptop para cada criança parecem péssima opção, principalmente considerando que ele piora o desempenho escolar entre as crianças mais pobres. Corremos o risco de transformar a inclusão digital em uma exclusão educacional”.

Críticas

Diversos pesquisadores que estudam as relações entre Educação e tecnologia manifestaram publicamente sua indignação quanto ao modo como a pesquisa foi conduzida e às deduções feitas a partir de uma variável apenas: com que freqüência os alunos usam o computador para fazer lições de casa e trabalhos. A polêmica torna-se ainda mais relevante ao se considerar que a distribuição de laptops em escolas faz parte da política de inclusão digital do Governo Federal.

A Profª. Drª Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, dedicou parte de sua apresentação no Seminário de Inclusão Digital da Campus Party para criticar a pesquisa. Léa Fagundes conduz os primeiros testes de uso de laptops em uma escola de Porto Alegre (RS), dentro do projeto "Um Computador por Aluno", do Governo Federal.

Segundo Léa Fagundes, por serem baseadas em um paradigma cartesiano e "não entrarem no espaço cibernético, não entrarem no modelo da física quântica, essas pesquisas são perigosíssimas. Como é que eles vão dizer que o laptop na mão da criança pobre, sobretudo se a criança pobre levar para casa, não é inclusão digital, é exclusão educacional?". Para a pesquisadora, a Educação é complexa demais para que as variáveis sejam isoladas da forma como a pesquisa foi feita. Seus comentários na Campus Party também se basearam na entrevista do coordenador da pesquisa à Agência Fapesp. Ouça um fragmento da palestra em que ela comenta o assunto:

Usar o computador pode ser pior, sim, ironiza Léa Fagundes: "se o professor não muda o ensino, não muda as técnicas pedagógicas, se não muda a compreensão de como o ser humano aprende, é muito pior do que usar o computador. Então dizer que o computador é culpado pela criança não aprender é dizer: "professor, a escola e a sociedade não estão sabendo ajudar a criança a usar o computador". Ao final da palestra na Campus Party, a professora Léa concedeu entrevista sobre o assunto para o portal EducaRede. Confira:

O Prof. Dr. César Nunes, colaborador do Núcleo de Pesquisas em Inovação Curricular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador de projetos da Fundação de Apoio à Faculdade de Educação (FAFE), que também investiga o uso de computadores na Educação, criticou vários pontos da pesquisa da Unicamp (leia a íntegra). Dentre eles, diz que "provavelmente a incoerência mais séria do artigo é pressupor que a resposta quanto à freqüência de uso do computador para a lição de casa ou trabalho indica o sucesso do uso do computador no processo educacional".

Segundo Nunes, "os autores insistem num olhar abrangente do impacto do computador no desempenho como um todo, passando mesmo uma impressão de crítica aos diversos estudos que são segmentados, envolvendo apenas uma disciplina ou estratégia específica. Contudo, os resultados não aparecem simplesmente porque se usam computadores e sim como e para quê são usados.(...) É evidente que o uso dos computadores pode ser eficiente e ter impacto positivo nas mais diferentes disciplinas! O fato de os autores do estudo não valorizarem essas experiências segmentadas ajuda a dificultar o processo de mudança e inovação. Além de enfrentarem as dificuldades internas nas escolas inerentes aos processos de transformação pelo uso dos computadores, aqueles que estão fazendo bons trabalhos e mostrando o caminho têm que enfrentar também as dificuldades por serem colocados dentro do mesmo saco daqueles que fazem mau uso da tecnologia como fazem os autores do artigo. Será que eles percebem o desserviço que fazem ao desvalorizar dessa maneira as boas iniciativas que pipocam no processo natural de inovação?"

Lendo a reportagem a cima, lembrei da frase de Paulo Freire, se referindo à tecnologia: "Não devemos divinizá-la e nem diabolizá-la" (Pedagogia da Autonomia)

Concordo plenamente com Paulo Freire, pois divinizá-la é usá-la sem um olhar crítico e consciente e diabolizá-la é excluir por inteiro todos os benefícios que ela nos oferece. Portanto, o bom senso sempre funciona melhor do que radicalizar.

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